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ENTREVISTAS

A propósito da Nanotecnologia : como serão os profissionais da área ?


Texto Completo da Entrevista do Professor Oswaldo Luiz Alves à Jornalista Renata de Gáspari, da Folha de São Paulo. A entrevista foi realizada pela Internet.




RG - Pelo que li no site LQES, as nanotecnologias têm aplicações infinitas, em várias áreas. No Brasil, quais as principais áreas que vêm se beneficiando delas?

Oswaldo Luiz Alves - Efetivamente, as nanotecnologias têm aplicações nas mais diferentes áreas do conhecimento. Temos até usado para descrevê-la o termo "pervasiva". Isto se dá pelo fato de entendermos que a nanotecnologia é uma ciência de convergência, isto é, poderia até ser chamada de nano-bio-cogno-
neural-info, etc., etc. Dada tal característica, e como conseqüência da sua multidisciplinaridade, fica difícil indicar áreas sem cometer omissões. Entretanto, mesmo correndo-se o risco, observa-se que a Química, Física, Biologia, Engenharia e Medicina, não só se apropriam dos conhecimentos gerados pela nanotecnologia, como também estão no nascedouro de novos conhecimentos, concepções e técnicas. Todavia, os desdobramentos não ficam apenas por aí, na medida em que, enquanto tecnologia, a nanotecnologia começa a alimentar setores industriais importantes, como: automotivo e aeronáutico; eletrônico e de comunicação; químico e de materiais; farmacêutico, biotecnológico e biomédico; alimentos; instrumentação; energia; meio ambiente, entre outros. No caso brasileiro, no que diz respeito à área acadêmica, temos um significativo contingente de pesquisadores, atuando em pesquisa básica de elevado nível, em várias universidades brasileiras. No setor industrial, já começamos ver o desenvolvimento de produtos ligados às áreas de cosmetologia, sensores químicos e de radiação, tintas, tecidos, fármacos, catalisadores, embalagens, alimentos, entre outros.

RG - Que profissionais estão surgindo para trabalhar nessas áreas no Brasil (profissionais novos e os que já existem, mas que estão precisando se especializar em novos assuntos para trabalhar em novas funções)?

OLA - Para responder a esta pergunta, acredito ser importante fazer algumas considerações, reforçando alguns aspectos colocados na questão anterior. Em nosso país, a maioria dos profissionais que atuam em nanotecnologia, de acordo com recente estudo por nós realizado para o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos - CGEE (2004), encontra-se na universidade e, mais especificamente, atuando como professores ou estudantes da pós-graduação (mestrado e doutorado). Os estudantes são oriundos das áreas de Química, Física, Biologia e Engenharia, em sua grande maioria, e se dedicam aos mais diversos aspectos das nanotecnologias. Em todas estas áreas estão sendo tratados os mais diferentes problemas relacionados à escala nano. É importante ponderar que nem tudo que é nanométrico (1 bilionésimo do metro), necessariamente é nanotecnológico, ou seja, hoje já começa a ser consenso que o que é nanotecnológico é aquilo que tem propriedades especiais, decorrentes do tamanho nanométrico. Por exemplo, hoje é possível mudar a cor de uma substância pela variação do tamanho de suas partículas, o que chamamos de efeito quântico de tamanho. Pelas razões colocadas, não existe ainda a profissão de nanotecnólogo. Neste momento, o que existe é um profissional das áreas básicas mencionadas que recebeu uma especialização em temas da nanotecnologia, quer para a vertente de materiais, quer para a vertente de ciências da vida.

RG - A medicina parece ser a área até agora mais beneficiada pela nanotecnologia. Já há algum trabalho sendo feito no Brasil? Onde?

OLA - Sem a menor dúvida, a área de medicina realmente pode vir a ser no Brasil muito beneficiada com os avanços da nanotecnologia. Tais benefícios passam pelos materiais bioabsorvíveis, implantáveis para reparação óssea; pelo uso de nanopartículas, seja na formulação de novos medicamentos ou no uso em terapias contra o câncer, tais como a terapia fotodinâmica; pelas nanopartículas marcadoras, para imageamento; pelo encapsulamento de drogas em nanocápsulas, para liberação controlada (chamado de "drug release"), pela regeneração de tecidos; pelo uso dos chamados lab-num-chip, que permitem realizar testes utilizando uma única gota de sangue, que podem levar a diagnósticos completos de doenças como AIDS, malária, febre amarela, etc.; pelos kits de testes genéticos, entre outros. Muitos trabalhos envolvendo estas temáticas estão sendo realizados no Brasil, em universidades como Unicamp, USP, UFRJ, UFMG, UFPE, UFRGS, através das redes cooperativas de pesquisa em nanotecnologia, onde se tem o concurso de pesquisadores de diferentes especialidades. Algumas empresas também começam a se interessar fortemente por estes assuntos, de modo que poderemos ter um cenário bastante interessante e promissor para os próximos anos.

RG - Que profissionais devem se preparar para trabalhar com nanotecnologia? Que nichos vão absorver o uso da nanotecnologia nos próximos 10 anos?

OLA - Como já colocado nas questões anteriores, neste momento existe uma tendência, que também se verifica internacionalmente, de se trabalhar a nanotecnologia - do ponto de vista da formação de recursos humanos -, em nível de pós-graduação. Não quer dizer, contudo, que não devamos expor os alunos de graduação aos conceitos, concepções e técnicas da nanotecnologia. Isto pode se dar, por exemplo, através da inserção de cursos de nanotecnologia - com diferentes enfoques -, na grade curricular. Na Unicamp, por exemplo, ministramos cursos de Introdução à Nanotecnologia, desde 1999, na pós-graduação, e, a partir de 2003, na graduação. Tal estratégia é baseada no fato de que, sendo a nanotecnologia tão ampla, ficaria bastante difícil ter, por exemplo, um curso de graduação em nanotecnologia, pois correríamos o risco de não sabermos exatamente que conteúdos deveriam ter sua escolha privilegiada, dada a diversidade. As grandes áreas das ciências exatas, engenharias e as biociências são, ao nosso ver, as que continuarão suprindo os profissionais que atuarão em nanotecnologia nos próximos anos.

Com relação à questão dos nichos, depende muito das induções feitas através de programas de governo e da resposta dada pelas empresas. Em todo caso, se observam, em nível mundial, duas tendências claras: nanotecnologia ligada aos materiais e às ciências da vida. Recentemente, um estudo realizado pelo Canadian Joint Centre for Bioethics (2005) apresentou o resultado de um grande painel que procurou avaliar usos da nanotecnologia que poderiam trazer benefícios para países em desenvolvimento. Na lista figuram: armazenamento, produção e conversão de energia; incremento da produtividade na agricultura; tratamento de água e remediação ambiental; diagnóstico e avaliação de doenças; sistemas de entrega de drogas ("drug-delivery"); processamento e armazenamento de alimentos; poluição do ar e remediação; construção; monitoramento da saúde e vetores, detecção e controle de pragas. Acreditamos que se trata de um excelente ponto de partida.

RG - Estudo da USP mostra que metade das profissões que existirão em 2015 ainda não foram criadas. Algumas delas vão ser criadas para lidar com a nanotecnologia?

OLA - Não conheço em profundidade o estudo feito pela USP. Todavia temos, para o caso da nanotecnologia, que considerar alguns aspectos que lhe conferem certa singularidade. Observa-se que o desenvolvimento dessa área se beneficiou, e continua se beneficiando, não somente de todo um substrato teórico-experimental já existente como também das facilidades instrumentais, sobretudo ligadas ao uso das microscopias eletrônicas. Ocorre, portanto, uma transposição de conhecimentos. Outro aspecto importante é que, no domínio das nanotecnologias, a separação temporal entre as ciências fundamentais e aplicadas é bastante reduzida. Isto faz com que, durante algum tempo, estejamos, mormente na área de materiais, praticando uma nanotecnogia incremental, ou seja: melhorando a performance de produtos existentes, criando novos produtos, porém ainda ligados a este substrato. Outro ponto diz respeito àquilo que tem sido chamado de nanotecnologia radical, em que teríamos como exemplos: nanoeletrônica, nanoferramentas, nanomotores, nanomáquinas, programação de sistemas automontados, terapia gênica, nanodispositivos elétricos e magnéticos, totalmente controláveis, entre outros. O desenvolvimento, neste caso, dependerá de uma grande quantidade de conhecimentos, muito provavelmente baseados em novos paradigmas, concepções e técnicas, além de quantidade importante de recursos.

Considerando este segundo ponto, não há dúvida de que novas habilidades terão que ser criadas e desenvolvidas para fazer face à emergência de novos desafios. Não sabemos, contudo, se serão novas profissões, dentro daquilo que hoje entendemos por profissões, mas certamente haverá necessidade de profissionais que terão que ter elevado nível de formação básica e especializada, capazes de se "apropriar" rapidamente dos novos conhecimentos, à medida que estão sendo gerados.

RG - Que transformações serão necessárias nas carreiras/cursos universitários para a criação dessas profissões?

OLA - Considerando a velocidade do desenvolvimento científico da nanotecnologia, que, em princípio, pode ser medido pelo volume de trabalhos científicos produzido a cada ano, certamente enfrentaremos mudanças de paradigmas e rupturas. Isto faz com que as novas habilidades (profissões) terão que privilegiar a muldisciplinaridade, aliada a uma forte formação básica, que permita que os profissionais possam ser sempre re-treinados, capazes de absorver os novos conhecimentos e, especialmente, capazes de identificar novas oportunidades de pesquisa acadêmica, tecnológica e de desenvolvimento de produto. Entendemos ainda que a formação dos estudantes deve contemplar um repertório mais completo de habilidades profissionais. Dentre elas, destacamos: treinamento na questão de patentes e conhecimento de seu marco regulatório; melhoria significativa das habilidades de comunicação seja na expressão oral, seja na escrita; introdução "precoce" sobre a natureza da carreira na indústria; aprendizado da realização de trabalho em equipe; desenvolvimento da capacidade de realizar uma apreciação dos fatores econômicos para cada etapa dos processos industriais; ênfase na questão do treinamento em segurança. É evidente que tudo isso somente faz sentido quando se está dentro de um ambiente em que há a busca incessante da excelência acadêmica e/ou profissional.


Nota do Managing Editor: entrevista feita pela jornalista Renata de Gáspari, free-lancer do jornal Folha de São Paulo, via Internet. Partes da entrevista serviram de subsídio para o Caderno Profissões, em 30 de outubro de 2005. Conheça o Portfólio do Professor Oswaldo Luiz Alves, Coordenador do LQES - Laboratório de Química do Estado Sólido, da Unicamp, clicando aqui.

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