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ARTIGOS DE OPINIÃO

A ciência contra a desigualdade

A ciência tem avançado muito na busca de respostas para esses problemas, mas a maioria das nações em desenvolvimento ainda carece de infra-estrutura que permita a elas aplicar localmente os avanços científicos em longo prazo.

A difícil situação de centenas de milhões de pessoas que dependem de menos de US$ 1 por dia para sobreviver volta a ser o foco da atenção dos líderes mundiais, que irão se reunir a partir desta segunda-feira em Johannesburgo, na África do Sul, para dar início ao tão esperado Encontro Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável de 2002.

Mais uma vez, a comunidade internacional de cientistas e engenheiros será requisitada a fazer algo em relação aos problemas das nações em desenvolvimento (erosão do solo, poluição e falta de água tratada); será chamada a ajudar a sanar o problema dos famintos, mas sem provocar danos ao meio ambiente.

No entanto, a história recente mostra que boa ciência e boas intenções não são suficientes: nas vésperas do encontro em Johannesburgo, as ambiciosas resoluções científicas e tecnológicas que surgiram com a Eco 92, no RJ, permanecem, em sua grande parte, apenas como carta de intenções.

Poucas de suas propostas receberam ao menos financiamento; muitas nem foram implementadas. Porém o conjunto dessas resoluções ainda forma um documento importante, sendo que o pedido de ajuda a cientistas e engenheiros que nele consta é difícil de ignorar.

As soluções existem e muitos cientistas estão prontos a ajudar. Mas a participação deles será ineficaz, a menos que as nações industrializadas e as em desenvolvimento se comprometam a cooperar para construir uma base de infra-estrutura onde quer que seja.

E a sociedade tanto do hemisfério Norte quanto do hemisfério Sul deve oferecer amplo apoio nesse sentido.

Há um poderoso argumento humanitário a favor dessa ajuda, mas ele não é único. O distanciamento entre países ricos e pobres está crescendo. E essa lacuna alimenta desconfiança e ódio entre as pessoas que, mais e mais, estão cientes das disparidades entre seus padrões de vida e o modo como se vive no mundo desenvolvido.

Além do mais, danos ambientais e doenças que não respeitam as fronteiras entre os países têm tornado claro que nenhuma nação está imune ao impacto causado pelo que acontece em qualquer canto do planeta.

Pelo contrário. Relatório recente publicado na revista Science sugere que a destruição da biodiversidade causa danos irreversíveis ao futuro de todos e que a proteção de habitats naturais nos países em desenvolvimento gera benefícios econômicos enormes para toda a humanidade.

A miséria e outros problemas mundiais que estarão em debate no encontro em Johannesburgo parecem ser insuperáveis.

Em várias cidades dos países em desenvolvimento, a população tem respirado um ar cuja qualidade a OMS qualifica como abaixo dos níveis aceitáveis.

Condições precárias de saneamento básico são a norma para 2 bilhões de pessoas. Mais de 1 bilhão de seres humanos não têm acesso a água tratada.

Metade da população mundial está malnutrida, e a oportunidade de educação é simplesmente negada a centenas de milhões de mulheres e crianças.

A ciência tem avançado muito na busca de respostas para esses problemas, mas a maioria das nações em desenvolvimento ainda carece de infra-estrutura que permita a elas aplicar localmente os avanços científicos em longo prazo. Por exemplo, o genoma do arroz, recentemente publicado, promete levar a melhorias que podem aumentar a produção dessa fonte primária de alimento para centenas de milhões de pessoas.

Mas, se esforços não forem feitos explicitamente no sentido de assegurar que esses avanços estejam acessíveis e sejam transferidos aos países em desenvolvimento e tornados viáveis em contextos locais, o conhecimento sobre o genoma do arroz não será aplicado de modo adequado.

Quais são, especificamente, as contribuições que a ciência e a engenharia podem dar ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa?

Em um relatório de 99, o Conselho Nacional de Pesquisa dos EUA avaliou que as tecnologias já existentes poderiam fazer essa transformação em um prazo de duas gerações, sem que nenhum outro novo avanço tecnológico significativo, bem como mudanças sociais, fosse necessário.

Por exemplo, pode-se dar às mulheres acesso à educação e aconselhamento para que elas tenham condições de fazer um planejamento familiar adequado. Avanços podem ser obtidos em relação à qualidade do ar e da água.

Programas de conservação ambiental podem ser implementados para reduzir a quantidade de terras exploradas para uso comercial.

O relatório ressalta que a mobilização das forças da ciência e da tecnologia requer a colaboração dos líderes políticos e das comunidades científicas mundiais.

Mas isso acontecerá se a população em geral adquirir conhecimentos básicos, além de habilidade técnica e social para colocá-los em prática. E isso, por sua vez, só será alcançado com vontade política, não apenas nos países em desenvolvimento, mas também nos países industrializados, onde hoje trabalham cerca de 90% dos cientistas.

Juntos, os países do Norte têm um empreendimento científico e tecnológico robusto que impulsiona seus avanços econômicos e nas áreas de saúde. Ajuda técnica e científica é parte necessária para a solução dos problemas dos países em desenvolvimento.

A experiência do Brasil e de outras nações onde a pesquisa científica e tecnológica têm crescido por iniciativa própria demonstra a importância do apoio a esses esforços. Em um período de grandes dificuldades econômicas, isso seria a contribuição mais verdadeira e duradoura.

Nós, cientistas, sabemos o que fazer, mas precisamos da ajuda de brasileiros e norte-americanos, bem como da inspiração, que certamente virá, da vontade política nascida do interesse de cada cidadão desses países.

Peter Raven é presidente do Conselho da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) e Alan I. Leshner é diretor-executivo da mesma AAAS, além de publisher da revista Science.

Nota do Managing Editor: Este artigo foi primeiramente publicado no jornal Folha de São Paulo, de 25 de agosto de 2002 e, posteriormente, no JCE-mail, edição 2105, de 26 de agosto de 2002.

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