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Ciência distorcida.

O produtivismo, é um termo que está carregado de conotação semântica negativa, transparecida no sufixo "ismo", incidindo sobre as obras do intelecto e a explosão do conhecimento dos tempos atuais a carga depreciativa de nossos juízos sobre o processo inteiro.

O produtivismo, que prefiro designar como taylorismo, acrescenta ao processo de produção de conhecimento um forte viés de administração. Os métodos racionais desta são transferidos da indústria (produção de bens) para a academia (produção de artigos científicos e outras publicações intelectuais). Os resultados são conhecidos: o conhecimento transformado em mercadoria e indústria, o patenteamento dos processos e a busca de lucro, com produtos e aplicações de ciência e tecnologia vistos como negócios ou oportunidades para negócios.

Se publicar artigos de fato induz o aumento da produtividade do conhecimento, também pode promover a vitória da quantidade sobre a qualidade e o mais desenfreado competitivismo.

Esses métodos, já utilizados nas empresas, caíram feito uma luva nas mãos dos governos, das agências de fomento e das administrações universitárias. Por mais de uma razão: alguns desses órgãos necessitavam ranquear as produções e revistas acadêmicas num ambiente de competição por recursos públicos, de produção em massa e de inflação das publicações; outros pretendiam monitorar o desempenho de funcionários, professores e pesquisadores, como no caso de importantes universidades norte-americanas, às voltas com a tenure (ato administrativo de conferir ou não estabilidade a professores após anos de certa precariedade institucional).

Embora real e já causando seus conhecidos estragos, parece que o taylorismo sequer aparece como problema para a maioria dos colegas, tão legitimado está nos meios acadêmicos, deixando todos felizes justamente por serem produtivos, como se fosse a coisa mais importante do mundo lançar uma linha a mais no currículo Lattes.

Há mais de um motivo para questionarmos a taylorização. Antes de tudo, é preciso levar em consideração que, se o fenômeno de fato induz aumento da produtividade do conhecimento, o que em si pode ser visto como algo positivo, não é menos verdadeiro que promove a vitória da quantidade sobre a qualidade e o mais desenfreado competitivismo, levando ao famoso publique ou pereça.

Um ambiente competitivo e de inflação das publicações gera a necessidade de medi-las e padronizá-las, e mostra a outra face do taylorismo: as métricas, em especial para aferir e ranquear mecanicamente tudo o que é produzido e publicado, sem a necessidade de ler e julgar, apenas contando publicações e computando índices de impacto, supondo que a qualidade sairá da quantidade e será, pois, objetiva.

As consequências serão de duas ordens, levando a um conjunto de distorções, não exatamente individuais, mas sistêmicas e coletivas. A mais conhecida e temerária é a concentração do mercado. Assim, segundo estudiosos, cerca de 3 mil revistas hospedam 75% dos artigos científicos publicados no mundo e um número ainda menor (em torno de 300) publica a metade de tudo que é lido e citado por alguém.

Trata-se de mais um exemplo da pertinência do chamado "efeito Mateus" (quanto mais, mais), proposto pelo sociólogo Robert Merton, cujo motor é o selo de prestígio que acompanha as publicações todos querem, mas é reservado a poucos. São exemplos os quatro periódicos das ciências duras, Nature, Science, Cell e Neuron. Já as grandes corporações que hospedam as revistas e controlarão grande parte de livros de visibilidade garantida e com o selo de prestígio são Elsevier, Springer e Wiley-Blackwell.



Quanto mais, mais?

Créditos: Twenty Three


Quanto ao autor, na outra ponta da cadeia, pressionado por todos os lados, ele será o motor e o veículo de outras tantas distorções, espalhando ilícitos e espertezas e exigindo todo um aparato jurídico para combatê-las: fraudes e plágios, a precipitação das publicações (a corrida para chegar primeiro), o fatiamento da produção (conhecido como técnica do salame), o requentamento da produção (autoplágio) e os arranjos ou combinações das publicações.

As academias e os editores, por seu turno, estão atentos e se armando contra eles, como revela o escândalo mais recente que atingiu quatro importantes revistas brasileiras (Revista da Associação Médica Brasileira, Jornal Brasileiro de Pneumologia, Acta Ortopédica Brasileira e Clinics), acusadas de empilhamento de citações.

Se a qualidade não for procurada, não será encontrada nunca, nem no miúdo ou no pequeno, nem no avolumado e nos grandes números.

Essa situação vem sendo questionada. Harvard e outras universidades norte-americanas de primeira linha estão patrocinando o boicote à Elsevier. Cientistas de prestígio estão se insurgindo contra a visão do conhecimento como negócio e a produção acelerada. E não faltam iniciativas para criar filtros de qualidade, como o F 1000, que hoje conta com mais de 10 mil leitores-pareceristas, cobrindo inúmeras áreas do conhecimento. Em 2011, atingiu a cifra impressionante de 100 mil artigos comentados, e isso sem o automatismo dos algoritmos que ranqueiam sem ninguém ler.

Penso que a qualidade sai da quantidade, depende da escala e é uma questão de métrica. Porém, se a qualidade não for procurada, não será encontrada nunca, nem no miúdo ou no pequeno, nem no avolumado e nos grandes números. Já os remédios para as distorções criadas pelas métricas que não têm culpa de nada devem ser buscados fora delas, nas instâncias do julgamento e da interpretação, alma mater dos júris e dos comitês, servindo as bases de dados como indexador e parâmetro. Este é o desafio.

Ivan Domingues é coordenador do Núcleo de Estudos do Pensamento Contemporâneo e professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Ciência Hoje Online.


Nota do Managing Editor: Esta matéria foi veiculada primeiramente no Ciência Hoje Online de 31 de janeiro de 2014. A ilustração não faz parte da matéria original e foi obtida em https://www.google.com.br/.


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